Seguros e setor produtivo afinam estratégias para enfrentar a crise climática

Seguros e setor produtivo afinam estratégias para enfrentar a crise climática

Os debates do Fórum de Seguros Brasil–França revelaram como o mercado segurador pode (e deve) ser protagonista da resposta à escalada de eventos extremos do clima no mundo.

Por: Carla Simôes

O Brasil pode ocupar um papel de liderança na transição global para uma economia de baixo carbono. Essa reflexão ficou clara em dois fóruns realizados em junho, em Paris. Mais do que uma questão ambiental, essa transição já é reconhecida como um vetor indispensável para o desenvolvimento econômico, a competitividade dos negócios e a resiliência social.

 

O Fórum de Seguros Brasil–França, promovido pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) em parceria com a France Assureurs, e o Fórum Econômico França–Brasil, organizado pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), foram unânimes: o tempo da inação acabou.

 

Em meio à escalada de eventos extremos no mundo, o setor de seguros se consolida como uma das principais bússolas para entender, precificar e enfrentar os riscos climáticos. Ao mesmo tempo, a indústria brasileira afirma-se como força motriz da descarbonização — não apenas por necessidade regulatória, mas porque compreende que a sustentabilidade é hoje um pilar indispensável da competitividade.

 

“O clima deixou de ser uma abstração futura e tornou-se um risco presente, diário e inadiável”, afirmou o presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, durante o evento na França. E completou, de forma categórica: “Não há mais espaço para o negacionismo climático.”

DIMENSÃO DO PROBLEMA

 

A contundência das palavras é respaldada por números que não deixam margem para dúvidas. Apenas no primeiro semestre de 2024, os desastres naturais provocaram US$ 368 bilhões em perdas econômicas no mundo, dos quais US$ 145 bilhões foram pagos em indenizações pelo setor segurador.

 

No Brasil, a dimensão do problema também já é sentida em cifras bilionárias. As enchentes no Rio Grande do Sul, que afetaram milhares de famílias e empresas, levaram o setor de seguros a pagar, até junho, cerca de R$ 6 bilhões em indenizações diretas, além de R$ 4 bilhões liberados pelo Seguro Rural.

 

“As séries históricas já não servem mais como parâmetro. O que antes funcionava para calcular riscos agora não funciona mais. Estamos lidando com uma realidade que muda mais rápido do que os modelos conseguem prever”, alertou Oliveira.

 

Essa percepção é compartilhada por André Corrêa do Lago, embaixador de carreira, negociador climático há mais de duas décadas e atual presidente da COP30, evento que acontecerá em Belém (PA), em novembro deste ano.

 

“O setor de seguros é um dos poucos que já percebeu que olhar para o passado não basta mais para calcular riscos. Isso muda tudo. Antes, projetávamos olhando para trás. Agora, é preciso olhar para frente — e para pior”, afirmou Corrêa do Lago, de forma direta, durante os debates.

 

Mais do que um problema técnico, essa mudança de paradigma representa um ajuste profundo na lógica econômica global. “Estamos começando a entender de forma concreta o quanto custa não agir. E o preço da inação já é mais alto do que qualquer investimento em adaptação e resiliência”, reforçou.

ALICERCE DA RESILIÊNCIA

 

O Fórum de Seguros Brasil–França revelou, com clareza, como o mercado segurador pode — e deve — ser protagonista na resposta à crise climática. Revelou também um contraste gritante: enquanto na França 97% dos imóveis residenciais têm seguro contra danos climáticos, no Brasil esse número não passa de 15%.

 

Essa defasagem não é apenas um problema de proteção financeira. Ela revela uma vulnerabilidade social que se agrava na medida em que os eventos extremos se tornam mais frequentes e intensos. Por outro lado, também expõe uma oportunidade gigantesca de expansão de mercado e de geração de impacto social positivo.

 

Entre as principais propostas defendidas pela CNseg estão:

  • Criação de um seguro social contra catástrofes naturais, voltado para famílias de baixa renda, que historicamente são as mais afetadas por desastres.
  • Ampliação do Seguro Rural, que hoje cobre apenas 6% da área plantada no Brasil, deixando o agronegócio, um dos pilares da economia nacional, vulnerável às quebras de safra e eventos extremos.
  • Emissão de títulos verdes (green bonds) denominados em reais, emitidos pelo Tesouro Nacional, como instrumento para financiar obras e projetos de infraestrutura resiliente, como drenagem urbana, contenção de encostas e fortalecimento de defesas naturais.
  • Criação de um hub de dados climáticos, que será lançado na COP30, com o objetivo de gerar informações consistentes e atualizadas sobre riscos climáticos no Brasil e na América do Sul, fortalecendo os modelos atuariais e o desenvolvimento de produtos de seguro mais aderentes à nova realidade.

 

“Sem dados, não há seguro. E sem seguro, não há resiliência possível. Este hub será um divisor de águas para melhorar a capacidade do setor de entender, precificar e assumir riscos climáticos no Brasil”, destacou Dyogo Oliveira.

 

O alerta de que a crise climática não é mais uma possibilidade futura, mas uma realidade do presente, permeou todos os debates. Corrêa do Lago reforçou que fenômenos antes projetados para daqui a 30 ou 40 anos já estão se materializando.

 

A interrupção da corrente do Golfo, a salinização da Amazônia e o colapso de sistemas naturais já estão acontecendo. A urgência climática não é mais sobre o futuro. Ela é agora, e se acelera de forma assustadora”, frisou o presidente da COP30.

 

Essa percepção reforça a necessidade de uma COP diferente. “A COP30 não será apenas mais uma conferência de metas. Será a COP das soluções. Não vamos discutir apenas ‘o que fazer’, mas como fazer, quem faz, com quais recursos e quais instrumentos econômicos e financeiros. Isso exige, inclusive, revisar conceitos consolidados, critérios de risco, garantias e retorno financeiro, que hoje já não refletem mais a realidade de um planeta em emergência.”

 

Corrêa do Lago sintetizou a lógica que precisa orientar empresas, governos e sociedades daqui para frente: “Antecipar-se é mais inteligente e muito mais barato do que pagar a conta depois.”

 


 

Indústria brasileira: o desafio de não perder o “trem-bala climático”

 

Se no setor de seguros a urgência já virou estratégia, na indústria brasileira o movimento segue na mesma direção, mas carrega desafios igualmente complexos. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem alertado, de forma insistente, que o Brasil não pode perder o que chama de “trem-bala climático” — uma metáfora que resume a corrida pela descarbonização, pela transição energética e pela competitividade global.

 

O risco não é apenas ambiental. É econômico. Indústrias que não se adaptarem às exigências de mercados cada vez mais atentos às emissões de carbono — como a União Europeia, os EUA e o próprio mercado interno — correm o risco de ficarem para trás em cadeias globais de valor, perderem acesso a financiamento internacional e enfrentarem barreiras comerciais cada vez mais rigorosas.

 

Por isso, a trilha da indústria brasileira já passa, de forma irreversível, por investimentos em:

  • Tecnologias limpas e de baixa emissão;
  • Fontes renováveis de energia, como solar, eólica, biomassa e hidrogênio verde;
  • Processos produtivos mais eficientes e circulares, com redução de desperdícios e reaproveitamento de materiais;
  • Bioeconomia, com soluções como biocombustíveis, bioeletrificação
    e insumos sustentáveis;
  • Mercado de carbono, que oferece tanto desafios quanto oportunidades para monetizar práticas de redução de emissões.

A mudança, no entanto, não é apenas tecnológica. É cultural. A lógica empresarial precisa internalizar que riscos climáticos não são externos ao negócio — são custos diretos, com impacto sobre produtividade, financiamento, reputação e sustentabilidade financeira.

PLANO DE DESENVOLVIMENTO

Um dos pontos altos dos debates na França foi a defesa de uma visão inovadora sobre a NDC brasileira (Contribuição Nacionalmente Determinada), compromisso formal do país no Acordo de Paris.

 

“O Brasil não encara sua NDC como um conjunto de sacrifícios. Ela é, na verdade, um plano de desenvolvimento econômico alinhado à realidade climática. Uma estratégia para gerar empregos, atrair investimentos, promover inclusão social e fortalecer nossa competitividade internacional”, afirmou Corrêa do Lago.

 

Segundo ele, essa abordagem foi levada pelo Brasil à última cúpula do clima, em Baku, e vem recebendo ampla aceitação internacional. O raciocínio é claro: em vez de tratar as metas climáticas como obrigações impostas, tratá-las como oportunidades de transformação econômica e social.

 

A conta da transição energética global não é pequena. Até 2035, o mundo precisará investir cerca de US$ 1,3 trilhão. E a origem desse recurso não poderá ser apenas pública.

 

“O setor privado é absolutamente essencial nesse processo. E, para isso, os países precisam oferecer um ambiente de negócios que seja atrativo: estabilidade institucional, marcos regulatórios claros, segurança jurídica e previsibilidade. Esse é o papel do Estado: criar as condições para que o financiamento aconteça”, explicou Corrêa do Lago.

NEGACIONISMO ECONÔMICO

No entanto, mesmo com dados robustos mostrando que investir em sustentabilidade gera retorno, ainda persiste o que ele define como um dos maiores desafios atuais: o negacionismo econômico.

 

“O negacionismo científico perdeu força, principalmente porque os eventos extremos são hoje visíveis, sentidos e incontestáveis. Mas agora enfrentamos outro obstáculo: o negacionismo econômico, essa visão ultrapassada — mas infelizmente ainda presente — de que agir pelo clima é caro demais ou prejudicial aos negócios”, alertou.

 

Se há uma mensagem que ficou clara nos dois fóruns realizados na França, é que o Brasil não pode mais tratar a questão climática como agenda acessória. É questão de sobrevivência econômica, social e ambiental.

 

O País tem tudo para ser protagonista global: matriz energética limpa, biodiversidade única, capacidade de produzir energia renovável em escala, agronegócio com potencial para se tornar carbono neutro e, agora, um setor segurador e uma indústria cada vez mais alinhados às soluções que o mundo exige.

 

A COP30, em Belém, não será uma COP de promessas — será a COP das soluções. E o Brasil tem muito a mostrar.